Minha mãe, embora semialfabetizada, sempre valorizou a educação oferecida nas escolas. Viúva, com 12 filhos, sem pensões nem "bolsas", fazia um esforço sobrenatural para garantir o básico. Enquanto muitas mães preocupavam-se em arrumar maridos para suas filhas, ela nos incentivava a trabalhar e estudar para não dependermos deles.
Minhas irmãs e irmãos me alfabetizaram antes dos 7 anos, pois sabiam que as salas eram divididas de acordo com as habilidades demonstradas nos primeiros dias e era importante ir para uma turma "forte".
A escola, na periferia do Zona Noroeste de São Paulo onde moro e trabalho até hoje, era pequena, de madeira, dispunha de poucos recursos. Os professores vinham de longe e, junto com a gente, enfiavam o pé na lama (literalmente).
Coube então, à igreja desenvolver o meu gosto pela leitura. Como lá funcionara o grupo escolar, o padre organizara uma pequena biblioteca. Os alunos se foram, mas os livros ficaram.
Frequentadora assídua das duas, consegui a admiração do padre que, devido ao meu desempenho escolar, ofereceu-me, a partir da 5ª série, uma bolsa de estudos num colégio particular. Demorei 2 anos para convencer minha família, já que a oferta não incluía uniforme, livros, materiais, transporte ou alimentação. Tenho certeza que se eu falasse com o meu mecenas, receberia ajuda, mas achava que ele já fizera a parte dele.
Apesar das dificuldades socioeconômicas, essa fase foi decisiva em minha vida, pois tivesse acesso obrigatório aos clássicos literários e grande ênfase à produção escrita. O "trabalho", detestado pelos outros, para mim era lazer transformado, mais tarde, em profissão.
Confesso não estar reservando muito tempo à leitura e uso como desculpas o fato de que meus olhos já não são mais os mesmos (profecia materna de que, lendo tanto, eu acabaria com as vistas).
Nos seus dias finais, ela insistia para que eu lesse, em voz alta, as bulas de seus remédios. Eu lhe dizia que não havia me formado em Medicina nem em Farmácia e sim em Letras e ela perguntava "Então, isso aí não são letras?"
Algumas vezes, eu tentava explicar, mas depois desistia e começava a leitura.Entendi, um pouco tarde demais, que ela queria apenas ouvir minha voz para adormecer tranquila.
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