terça-feira, 18 de junho de 2013

Textos : "Pausa " e "Relógio"


Pausa
"Às sete horas, o despertador tocou. Samuel saltou da cama ,correu para o banheiro, fez a barba e lavou-se. Vestiu-se. Rapidamente e sem ruído. Estava na cozinha, preparando sanduíches, quando a mulher apareceu, bocejando:
— Vais sair de novo, Samuel?
Fez que sim com a cabeça. Embora jovem, tinha a fronte calva; mas as sobrancelhas eram espessas, a barba, embora recém-feita, deixava ainda no rosto uma sombra azulada. O conjunto era uma máscara escura.
— Todos os domingos tu sais cedo — observou a mulher com azedume na voz.
— Temos muito trabalho no escritório — disse o marido, secamente.
Ela olhou os sanduíches:
— Por que não vens almoçar?
— Já te disse: muito trabalho. Não há tempo. Levo um lanche.
A mulher coçava a axila esquerda. Antes que voltasse à carga, Samuel pegou o chapéu:
— Volto de noite.
As ruas ainda estavam úmidas de cerração. Samuel tirou o carro da garagem. Guiava vagarosamente, ao longo do cais, olhando os guindastes, as barcaças atracadas.
Estacionou o carro numa travessa quieta. Com o pacote de sanduíches debaixo do braço, caminhou apressadamente duas quadras. Deteve-se ao chegar a um hotel pequeno e sujo. Olhou para os lados e entrou furtivamente. Bateu com as chaves do carro no balcão, acordando um homenzinho que dormia sentado numa poltrona rasgada. Era o gerente. Esfregando os olhos, pôs-se de pé.
— Ah! Seu Isidoro! Chegou mais cedo hoje. Friozinho bom este ,não é? A gente...
— Estou com pressa, seu Raul! — atalhou Samuel.
— Está bem, não vou atrapalhar. O de sempre. — Estendeu a chave.
Samuel subiu quatro lanços de uma escada vacilante.
Ao chegar ao último andar, duas mulheres gordas, de chambre floreado, olharam-no com curiosidade:
— Aqui, meu bem! — uma gritou, e riu: um cacarejo curto.
Ofegante, Samuel entrou no quarto e fechou a porta à chave.
Era um aposento pequeno: uma cama de casal, um guarda-roupa de pinho; a um canto, uma bacia cheia d'água, sobre um tripé. Samuel correu as cortinas esfarrapadas, tirou do bolso um despertador de viagem, deu corda e colocou-o na mesinha de cabeceira. Puxou a colcha e examinou os lençóis com o cenho franzido; com um suspiro, tirou o casaco e os sapatos, afrouxou a gravata. Sentado na cama, comeu vorazmente quatro sanduíches. Limpou os dedos no papel de embrulho, deitou- se e fechou os olhos.
Dormir.
Em pouco, dormia. Lá embaixo, a cidade começava a mover- se: os automóveis buzinando, os jornaleiros gritando, os sons longínquos. Um raio de sol filtrou-se  pela cortina, estampou um círculo luminoso no chão carcomido.
Samuel dormia; sonhava. Nu, corria por uma planície imensa, perseguido por índio montado a cavalo. No quarto abafado ressoava o galope. No planalto da testa, nas colinas do ventre, no vale entre as pernas, corriam.
Samuel mexia-se  e resmungava. Às duas e meia da tarde sentiu uma dor lancinante nas costas. Sentou-se na cama, os olhos esbugalhados: o índio acabava de trespassá-lo com a lança. Esvaindo-se em sangue, molhado de suor, Samuel tombou lentamente; ouviu o apito soturno de um vapor. Depois, silêncio.
Às sete horas, o despertador tocou. Samuel saltou da cama, correu para a bacia, lavou-se. Vestiu-se rapidamente e saiu.
Sentado numa poltrona, o gerente lia uma revista.
— Já vai, seu Isidoro?
— Já — disse Samuel, entregando a chave. Pagou, conferiu o troco em silêncio.
— Até domingo que vem, seu Isidoro — disse o gerente.
— Não sei se virei — respondeu Samuel, olhando pela porta; a noite caía.
— O senhor diz isto, mas volta sempre — observou o homem, rindo. Samuel saiu.
Ao longo do cais, guiava lentamente. Parou, um instante, ficou olhando os guindastes recortados contra o céu avermelhado. Depois, seguiu. Para casa."
SCLIAR, Moacyr. In: BOSI, Alfredo. O conto brasileiro contemporâneo. São Paulo: Cutrix,  1997





Relógio

As coisas vão
As coisas vêm
As coisas vão
As coisas
Vão e vêm
As horas
Vão e vêm
Não em vão

Oswald de Andrade


Sequência Didática - Pausa

Sequência didática
Público Alvo: 8ª série/9º ano

Nº de aulas: 05

Conteúdos
Leitura, escuta e produção de texto
Traços característicos de texto narrativo
Gênero textual crônica , características e situação de comunicação
Compreensão e interpretação de texto literário
Roda de conversa
Formulação de hipóteses
Intertextualidade

Habilidades
Analisar narrativa ficcional - elementos essenciais
Reconhecer os elementos organizacionais e estruturais caracterizadores do gênero textual crônica
Identificar valores e conotações veiculados no texto
Formular hipóteses de sentido a partir das informações encontradas no texto
Reconhecer no texto indícios de intencionalidade do autor
Analisar a norma-padrão em funcionamento no texto
Comparar  textos com diferentes estruturas
Transpor texto de linguagem verbal para outras linguagens

Estratégias
Leitura silenciosa
Escuta do texto
Levantamento dos elementos estruturais do texto 
Identificação das características do gênero textual em estudo
Compreensão e interpretação do texto
Comparação entre  a crônica  e o poema
Produção de charge ou HQ baseada no texto

Avaliação:
Empenho e desempenho dos alunos durante a realização das atividades

Recursos Materiais:
Cópias dos textos ( Pausa- de Moacyr Sclair e Relógio – de Oswald de Andrade);caderno de anotações, folhas de papel sulfite, lápis de cor, lápis preto, borracha, canetas, régua;  questionário  preparada pelo professor que contemple  as  capacidades  de: compreensão  (ativação de  conhecimento de mundo, levantamento e checagem de hipóteses, localização e comparação de informações,  generalização, produção de inferências locais e globais), de interpretação/interação (recuperação de contexto de produção, definição de finalidades e metas da leitura, intertextualidade, apreciações estéticas/afetivas, valores éticos.)

Cronograma:
1ª e 2ª  aula - Leitura, escuta e análise da estrutura da obra  (Preencher quadro-síntese)
Título do texto:                                                                                  Nome do autor:
Obra:                                                                                                 Data de Publicação:
Tipo de texto:                                                                                    Gênero textual:
Foco narrativo:                                                                                  Tipo de narrador:
Tempo:                                                                                               Espaços:
Personagens:                                                                                 Discurso predominante:
Enredo (síntese)

3ª aula - Roda de conversa (compreensão e interpretação)
Responder as questões:
1) Justifique o título do texto
2) Levantamento de hipóteses:
Motivos para as atitudes de Samuel- Por que ele mente? Qual o significado do sonho?
3) Que elemento da narrativa está em destaque? Justifique.
4) Compare os conteúdos da crônica e do poema e aponte semelhanças e diferenças

4ª e 5ª aula - Produção de charge ou HQ  ( Compartilhar resultados com Prof. Educação Artística)

Bibliografia:
Currículo do Estado de São Paulo
ROJO, Roxane. Letramento e capacidades de leitura para a cidadania. SãoPaulo: SEE: CENP,2004

sexta-feira, 7 de junho de 2013

Das letras às Letras

Minha mãe, embora semialfabetizada, sempre valorizou a educação oferecida nas escolas. Viúva, com 12 filhos, sem pensões nem "bolsas", fazia um esforço sobrenatural para garantir o básico. Enquanto muitas mães preocupavam-se em arrumar maridos para  suas filhas, ela nos incentivava a trabalhar e estudar para não dependermos deles.
Minhas irmãs e irmãos me alfabetizaram antes dos 7 anos, pois sabiam que as salas eram divididas de acordo com as habilidades demonstradas nos primeiros dias e era importante ir para uma turma "forte".
A escola,  na periferia do Zona Noroeste de São Paulo onde moro e trabalho até hoje,  era pequena, de madeira,  dispunha de poucos recursos. Os professores vinham de longe e, junto com a gente, enfiavam o pé na lama (literalmente).
Coube então, à igreja desenvolver o meu gosto pela leitura. Como lá funcionara o grupo escolar, o padre organizara uma pequena biblioteca. Os alunos se foram, mas os livros ficaram.
Frequentadora assídua  das duas, consegui a admiração do padre que, devido ao meu desempenho escolar, ofereceu-me, a partir da 5ª série, uma bolsa de estudos num colégio particular. Demorei 2 anos para convencer minha família, já que a oferta não incluía uniforme, livros, materiais, transporte ou alimentação. Tenho certeza que se eu falasse com o meu mecenas, receberia ajuda, mas achava que ele já fizera a parte dele.
Apesar das dificuldades socioeconômicas, essa fase foi decisiva em minha vida, pois tivesse acesso obrigatório aos clássicos literários e grande ênfase à produção escrita. O "trabalho", detestado pelos outros, para mim era lazer transformado, mais tarde, em profissão.
Confesso não estar reservando muito tempo à leitura e uso como desculpas o fato de que meus olhos já não são mais os mesmos (profecia materna de que, lendo tanto, eu acabaria com as vistas).
Nos seus dias finais, ela insistia para que eu lesse, em voz alta, as bulas de seus remédios. Eu lhe dizia que não havia me formado em Medicina nem em Farmácia e sim em Letras e ela perguntava "Então, isso aí não são letras?"
Algumas vezes, eu tentava explicar, mas depois desistia e começava a leitura.
Entendi, um pouco tarde demais, que ela queria apenas ouvir minha voz para adormecer tranquila.

terça-feira, 4 de junho de 2013

Ataque de Leitora

Meu primeiro ataque de leitora, foi aos 10 anos, na 5ª série.A professora de Português pediu-nos para ler a "Ilha Perdida".Li em dois dias e tirei nota "100" na prova de interpretação. Sabia toda a história com riqueza de detalhes. Disparei a ler todos livros que caíam em minha mão, mas foi na igreja que tive contato com peças teatrais, jograis, leitura bíblica e a música. Sempre ouvi narrativas de minha mãe e minha avó, e meu pai por sua vez nos contava histórias da sua infância incrementada com o folclore nacional. E assim tive um novo modo de enxergar a vida, mas atribuo meu prazer de aprender especialmente à minha mãe.



segunda-feira, 3 de junho de 2013

A arte de viver a arte

Infelizmente, minhas experiências marcantes com a arte de ler, não foram na escola. Digo isso porque se fossem lá, poderiam ter atingido muito mais crianças e adolescentes e considero mesmo que leitura é uma arte tão preciosa quanto a escrita. É preciso usar muito da criatividade, emoção e  sabedoria  para dar vida ao texto escrito. Minhas vivências mais importantes nessa área ocorreram na fase dos 11 aos 20 anos, quando fiz parte de um grupo de teatro. Embora nos encontrássemos na igreja católica, o espaço  era aberto a  pessoas de todas as idades e segmentos religiosos. Sempre preferi ajudar na produção/direção, embora  rapidamente, aprendesse  a fala de todas as personagens e até hoje sou capaz de  repeti-las  em espetáculos como Os Saltimbancos e Auto da Compadecida. Nos meus primeiros anos de magistério, revivi essa experiência com meus alunos,  montando peças menores, escritas por eles mesmos,  baseadas em obras, mas a falta de apoio e cansaço me venceram. Atualmente, insisto em proporcionar-lhes oportunidades para apreciar  espetáculos teatrais e oferecer-lhes leitura de textos dramáticos, pois  sei que a dinâmica desses é favorável ao desenvolvimento  da capacidade e do gosto pela leitura. Como não tenho fotos da época, peguei esses vídeos "emprestados". Eles são a prova de que a arte transcende o tempo e o espaço.